quarta-feira, 3 de novembro de 2010

CONVERSANDO COM MINHA ALMA




Ontem, disse: “Só penso em escrever pra ver se passa. Quantos goles de mim mesma terei que tomar até ficar sóbria? Não sei...” Desejei partir e me procurar, para esquecer meus sofrimentos em alma cansada, que já não me agüentava e queria fugir de mim...

Nem fui. Acabei ficando. Precisava discutir a relação comigo. Discuti. Lavei roupa suja no meio da rua. Escrevi versos aos berros, mostrei aos amigos, que comentaram. Botei tudo em pratos limpos com minha alma mendiga. Ela respondeu-me:

- Amiga, por que tardaste tanto a vir conversar? Por que juntar tanto lixo, tanta mágoa, tanta imundície?

- Não sei, respondi-lhe. Talvez tivesse medo de te enfrentar... da dor que iria calar como punhal.

- Esperas chamar a faxineira quando a casa está limpa?

- Não. Chamo quando há sujeira, claro.

- Vais ao endocrinologista quando estás magra?

- Claro, que não, tu sabes. Vou quando estou saindo do invólucro!

- Viste? Dizes que és guerreira, mas és covarde.

- Não me insultes, alma vagabunda. Filha perdida de uma qualquer, que se dizia valente.

- Sou tua filha, não me faças rir, criatura doente!

- No início, me chamavas de amiga. Agora, passei a ser criatura doente? Que espécie de alma és tu?

- Sou teu sub-consciente, que fala contigo, e que te diz a verdade; que embora não aflore está sempre te acompanhando. Sou como uma sub-camada tua – envolto num véu, pareço ausente – mas quando precisas de amparo, venho e me torno teu interlocutor, portanto sou também o agora.

- Alma, me pareces bela...

- Sei que sou interessante! Tenho meus momentos!

- Não sejas ególatra, Alma!

- Logo quem falando em egolatria, valha-me Deus!

- Vamos deixar Deus fora desse papo, Alma?

- Estou aqui para te ajudar. Vi que sofrias. Vim conversar. Estavas me arrastando pelas calçadas. Isso dói, sabias? Sou pesada, mas nem tanto!

- Culpa daquele desgraçado. Mandou-me flores. Joguei as flores e a alma na sacola e ficou pesada como chumbo, como terra arrasada. Vim com a alma arrastando pelas calçadas do Centro...

- Confessate, eu sabia! Conta o resto. E de uma vez.

- Depois ele mandou os e-mails, dizendo que fica à tocaia. Espiando como ladrão pela fechadura, para me ver à saída do trabalho. Passado todo esse tempo, Alma! Havia esquecido desse traste. Podia ter nascido morto, não faria falta à humanidade...

- Não fala assim, guria, Deus castiga!

- Tá bom. Mas aparecer agora? Pra bagunçar minha vida? Estava normal, equilibrada, feliz. Isso é karma. Arrastei você até a noite, de novo. Subi e desci ladeiras. Precisava me acalmar. Esquecer. E veio a história do outro... com a minha melhor amiga! Daí não suportei. Só enchendo a cara. Queria me matar, matar você, matar o cara. Fiquei de cara.

- Não tenho culpa, guria...

- Eu sei Alma. Mas és só tu – minha amiga, abrigo, meu último gole de vida – eterna companheira.

E assim, minh’alma exausta, despediu-se e foi descansar, no travesseiro das Almas Cansadas. Antes, um derradeiro conselho:

- Nossas prosas precisam acontecer mais vezes, guria. Achas que deves esperar teus olhos encharcarem, a visão turvar, o cálice transbordar, o rio secar, o leite derramar? Vem, amiga, vem mais seguido.

Concordei que essas conversas são imprescindíveis e inadiáveis.

E ela se foi. Ou não. Alma, estás aí?

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