segunda-feira, 20 de setembro de 2010

A cegueira

Como se perdem objetos nesta vida, alguns menos importantes, outros fundamentais. Um dia destes, perdi meus óculos de enxergar de perto. O grande problema é que não consigo enxergar absolutamente nada, sem óculos de aumento. Eles são a minha alma de leitora e da minha tentativa de escrever.  Coloquei então toda minha família em polvorosa, na busca dos benditos óculos. Sempre fui uma mestra em perdê-los, mas esta situação era especial. Imaginem a minha agonia, pois era tarde da noite e, na manhã seguinte, eu deveria apresentar um trabalho num congresso médico. Ele seria apresentado pela manhã, e eu nem teria tempo de comprar aqueles óculos proibidos, vendidos pelos camelôs, mas que quebrariam o galho.

Meus filhos reviraram a casa toda, em busca do objeto tão necessário. Procuraram em baixo das camas, das cadeiras, em todas as gavetas possíveis, dentro dos armários, no lixo e até nas máquinas de lavar louça e roupa. No fim, a procura acontecia nos lugares mais improváveis, pois os prováveis haviam se esgotado.

Pensei que naquela situação específica, poderia usar subterfúgios na apresentação do trabalho, como algum colega apresentá-lo e, eu responderia então, as perguntas que por acaso surgissem, como soe acontecer.

Após tantas horas de procura, sem sucesso, senti minha família esgotada e irritada com esta contumaz perdedora de óculos. Lá pelas tantas, ouvi meu filho gritar:

- Achei mãe, achei teus óculos.

- Onde meu filho?

Ele com a maior cara de gozação respondeu-me: estavam dentro do mousse de chocolate, que tu fizeste para comermos amanhã.

- Que bom, meu filho! É a minha salvação!

Ele retrucou: se teu problema foi resolvido, o nosso não. O doce, onde teus óculos caíram, não será comido, e para aprenderes a ter mais cuidado com eles vais ter que fazer outro igual, ainda hoje. Não me restou outra alternativa, senão repetir a tarefa, satisfeita que fiquei com a solução do meu problema. Prometi a mim mesmo que, na primeira oportunidade, compraria uma maior quantidade de óculos, pois ainda não confiava na minha capacidade de não mais perdê-los.

A brincadeira lá em casa continua, porque ainda pergunto: alguém viu meus óculos? A resposta é repetitiva e em coro:

- Procura no mousse!

Themis Groisman Lopes

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