quarta-feira, 15 de setembro de 2010

A melhor viagem

Existem viagens e viagens. Não sei se a melhor é aquela que fazemos na realidade, ou, a outra que é a dos nossos devaneios. Lembro da excursão que minha família e eu fizemos a Montevidéu, presente de aniversário de quinze anos. Como era a primeira vez que saía do país, estava vibrando.

Lá chegando, conhecemos os pontos turísticos da capital, como o monumento La Carreta, as praias de Pocitos e Carrasco, bem como visitamos lojas que exibiam quase que exclusivamente produtos importados. Após, fomos de ônibus com outros turistas à famosa praia Piriápolis, onde ficaríamos alguns dias. O guia que nos acompanhava era muito engraçado. Fazia piadas o tempo todo. Nos estimulava a cantar com ele um estribilho muito estranho, pois não fazia sentido com nenhuma língua conhecida: “la mar astava sereno, sereno astava la mar”. O pessoal entoava em coro e ria sem parar.

No hotel onde ficamos, fiz logo amizade com duas garotas argentinas, da minha idade. Eu arranhava um péssimo portunhol, mas o importante é que nos entendíamos.

No segundo dia de nossa chegada, minhas amigas me convidaram para conhecer o mar uruguaio. Apesar de ser verão, o dia estava sombrio, fazia frio e a praia estava deserta. Minhas companheiras eram excelentes nadadoras e entraram na água gelada, indo logo para o fundo, bem longe da praia. Não fui, pois embora o mar me fascinasse, eu tinha medo, não sabia nadar. Sozinha na areia, absorta em meus pensamentos, vendo aquele mar tão tranqüilo, muito azul, comecei a imaginar que estava em um transatlântico numa viagem pelo Caribe. Que espetáculo aquele navio, lotado de pessoas bonitas e elegantes, falando diferentes línguas, parecendo uma torre de Babel. Havia boutiques luxuosas, várias piscinas, academias, salões de beleza, cinema, teatro, cassino e restaurantes finíssimos.

À noite, no jantar com o comandante, coloquei um vestido branco vaporoso; pela primeira vez sapatos de salto alto, me equilibrando para não cair. Assim fui até a mesa reservada para garotas e rapazes. Bem na minha frente estava um gatão de cabelos pretos e olhos azuis como o mar, que me olhou durante todo tempo, muito afável e sorridente. Talvez fosse o momento propício para o encontro com o meu príncipe encantado. Aquele igualzinho ao da Gata Borralheira.

Eu me sentia a própria Cinderela e, provavelmente, no retorno do jantar, perderia um dos sapatos. Com sorte, o rapaz que me paquerara acharia o pé solitário, que me serviria como uma luva. Pronto: como num conto de fadas, seríamos felizes para sempre.

Passos de gente caminhando me derrubaram dos saltos, acabando com minha fantasia. Ao olhar para o lado, vi um bêbado mal encarado se aproximando. Por que cargas d’água, aquele homem tinha que aparecer, me deixando de chinelos de dedo e, muito assustada!

Ele chegava cada vez mais perto, apavorada, olhei ao redor e vi que a praia continuava deserta. Ninguém ouviria meus gritos. Minhas companheiras continuavam nadando no fundo, após a marca das bóias.

O medo foi tão grande, que sem pensar, enfrentei o mal menor: fui mar a dentro.  Quando percebi estava junto às argentinas. Claro que só poderia ter chegado até lá nadando. Também nadando, retornei com elas à praia.

Ainda hoje, me pergunto qual foi a melhor viagem.

A realidade diz que foi o meu presente de quinze anos: a viagem ao Uruguai; as amizades que fiz com as garotas, com as quais passei durante vários anos me correspondendo; ter aprendido a nadar, e ter me salvo do homem com cara de mau. Além disso, perdi o medo do mar, só ficou o encantamento, como os pescadores pelas sereias.

No entanto, bem no âmago, fiquei apaixonada pela viagem de navio que não aconteceu, que não me levou a lugar nenhum, mas que me permitiu ser por instantes uma verdadeira Cinderela.

Themis Groisman Lopes

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