quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Minha velha tapera... - por Rosana Corrêa

Campo aberto,

descampado

a passos lentos, piso o chão

perdido nos meus pensamentos,ergo os olhos, já quase enterrado nesse chão,

lá estava ela...

num relance de vento, me caí um cisco no olho que me faz lacrimejar

porque destas vistas não sai debuxo em tempo de guerra

velha tapera, tijolo de barro, que um dia foi terra e para ela está a voltar

já foi abrigo,palco de amores e desamores

escudo de guerra, ninho de sonhos,

todos ali já foram para outros pagos

e aqui estão apenas os que ainda pagam

velhas figueiras em conjunto de três, lembram o sinal da cruz

pai, filho e espirito santo

suas raízes cruzam o antigo chão da imensa tapera

seus galhos tortos , lembram a estrada da vida

velho jippe da cor do mato, onde um dia atravessou fronteiras passaros fazem ninho.

e o cisco não me sai das vistas e junto com ele as lembranças

volto pro aqui e vejo um mundo doente, apestiado

então surge um vento, e a pala me bate o lombo e me acorda pro ontem

o ontem de velhos indios charruas, onde o vento trás segredos

onde a linhagem não se trazia no peso do ouro

mas na palavra proferida,

coração estava no sangue e não nas vestes que hoje compram como mascaras num tal cartão de crédito,prá desfiles encomendados

velha tapera, que a noite de lua cheia é recinto de reunião de velhas almas já partidas deste rincão

e com a permissão de nosso pai, aqui voltam com suas palas em mantos,tentar proteger este chão

minha terra, onde o cruzeiro rasga o céu sem pedir licença

velho pagé acocorado num canto

meio em desencanto , assim como a tapera

assistiu guerras em lança na mão

onde a lança apontava caminhos e não feridas

arco manejado com punho firme....

a beber sua beberagem

num galope de um potro, que estas vistas já não miram, num repente...desaparece

tão dono dessa terra, onde todos acolheram

tratados foram com estupidez, da dita civilização

ainda voltam a ensinar.

Perdido, estaqueado no meio do pampa ali fiquei por horas a fio

velhas figueiras onde bandeiras de charque ali retiveram ,a matar a fome de passantes e de velhos guerreiros

hoje sem charque, com passantes famintos e sem guerreiros

pedaço de chão , deste imenso país

onde atolastes tuas raízes?

olvidei o cisco, tentei deixar o debuxo livre...

mas não consegui.

Sinal que me encontro em intervalo de batalha,

levantei do chaõ com um punhado na mão desta terra , sem que por mim desse conta

coloquei no bolso cheio do nada

e jurei a tapera...me aguarda que volto!

por Rosana Corrêa

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