terça-feira, 21 de setembro de 2010

Lembranças de uma janela que não me pertence mais.

Ao Doutor Dilto Nunes:

Lendo o que o senhor escreveu neste espaço, com o título “Uma gaiola aberta para o mundo” (ZH Moinhos de 22/1), a respeito de sua nova morada na Rua Marquês do Pombal, me senti lisonjeada. Até emocionada, arriscaria dizer.

Morei nesse apartamento, ao qual o senhor dá essa denominação tão carinhosa, por mais de 20 anos. Ali criei meus filhos, levando-os ao colégio todas manhãs, ao inglês, à escolhinha de futebol, à natação, sem nunca precisar sair dos limites do bairro.

O Zaffari me acompanhou todos dias dessa trajetória. A dona Edith Travi, com seus maravilhosos iogurtes. A Primavera, com seus sanduíches incomparáveis, e o Santo Antônio, com seus suculentos filés. Sem falar na pracinha Maurício Cardoso e no Parcão, onde eu levava meus filhos e os cachorros para brincar.

Nele, fui casada e descasei. Lutei contra preconceitos em uma época em que mulher sozinha não era respeitada. Muitas portas se fecharam, mas devo reconhecer que isso serviu para meu crescimento pessoal. Pessoas se afastaram de mim, outras tantas se aproximaram. Fiz grandes amizades, que permanecem até hoje.

Os passarinhos que o encantam, hoje, devem ser os netos dos que pousavam em minha janela, com quem eu conversava sobre minhas tristezas ou compartilhava minhas alegrias vividas ali.

Hoje, o apartamento é seu por direito, mas me permita deixar um pedaço vivo de mim dentro dele. Ali deixei como herança uma história de vida, às vezes, linda, outras, devastadora.

As árvores frondosas, orgulho de todo o bairro, muitas vezes embalaram, ao som do vento, minhas esperanças, e, a cada gorgeio de um novo pássaro que começava a dar seus primeiros trinados, eu nascia novamente, acreditando que tudo na vida é transitório, como na natureza.

Essa janela dá para o mundo, sim, Dr. Dilto! E os pássaros que pousam e cantam para o senhor hoje já não são mais os “meus pássaros”. Pois, assim como eles crescem e deixam o ninho para se aventurarem por outras paragens, os meus filhos também voaram atrás de suas escolhas em outros lugares.

E como meu ninho aí estava vazio, resolvi tomar outros ares, e digo isso sem tristeza, pois aprendi, com os pássaros, que chega um momento em que, se os filhos não abandonam o ninho, a gente mesmo os força, com um leve empurrãozinho a voarem sozinhos.

Um abraço e felicidades na nova morada.

Martha Mansur

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