segunda-feira, 20 de setembro de 2010

DORES E LEMBRANÇAS

A mulher que me habitava

Era ela.

E ela era eu.

A deusa que se pensava,

Essa,

Há muito morreu...


Que desespero remexer guardados

Colocar a vida em dia.

Que sofrimento me dá

Ver que nessas gavetas moribundas

Um pouco da felicidade tardia...


Por que motivo choras, minha querida

Se não te foi madrasta a vida?

Choro por não ser mais o que já fui.

Meu espelho, meu miserável companheiro,

Dita-me o castigo das horas e dos anos que vivi.

Conta-me dos sorrisos que sorri,

E as madeixas, que, ora grisalhas,

Maltratam minha imagem na porta do banheiro.


Aquela menina de outrora,

Que a tantos entontecia,

Destruía corações

(e nem ao menos reparava)

Hoje só tem recordações,

Das quais se tornou a escrava.


Passa seus dias e noites,

Remexendo seus guardados

Perguntando e se culpando,

Onde eu terei errado?

Eram tantos pretendentes,

Corações apaixonados,

Todos eles me queriam,

Onde teriam ficado?


Eis que então parece tarde,

Está velha, solitária,

E o coração ainda arde.

Esquecida, a pobre musa,

No ocaso de uma vida,

A mortalha agora usa.

Quem poderá lembrar

O que se quer esquecer?

Se tudo que se desejou,

Era parar de doer?


E ela ficou tão só,

Tão infinitamente só.

Apenas vagas lembranças,

Um fio de luz no olhar.

Amor tardio lhe veio,

Mas não foi para ficar.


A pobre e tristonha flor,

Sem dono e sem pomar,

Só lhe restou a morte

E nem essa lhe veio buscar!

Carmen Macedo

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