A mulher que me habitava
Era ela.
E ela era eu.
A deusa que se pensava,
Essa,
Há muito morreu...
Que desespero remexer guardados
Colocar a vida em dia.
Que sofrimento me dá
Ver que nessas gavetas moribundas
Um pouco da felicidade tardia...
Por que motivo choras, minha querida
Se não te foi madrasta a vida?
Choro por não ser mais o que já fui.
Meu espelho, meu miserável companheiro,
Dita-me o castigo das horas e dos anos que vivi.
Conta-me dos sorrisos que sorri,
E as madeixas, que, ora grisalhas,
Maltratam minha imagem na porta do banheiro.
Aquela menina de outrora,
Que a tantos entontecia,
Destruía corações
(e nem ao menos reparava)
Hoje só tem recordações,
Das quais se tornou a escrava.
Passa seus dias e noites,
Remexendo seus guardados
Perguntando e se culpando,
Onde eu terei errado?
Eram tantos pretendentes,
Corações apaixonados,
Todos eles me queriam,
Onde teriam ficado?
Eis que então parece tarde,
Está velha, solitária,
E o coração ainda arde.
Esquecida, a pobre musa,
No ocaso de uma vida,
A mortalha agora usa.
Quem poderá lembrar
O que se quer esquecer?
Se tudo que se desejou,
Era parar de doer?
E ela ficou tão só,
Tão infinitamente só.
Apenas vagas lembranças,
Um fio de luz no olhar.
Amor tardio lhe veio,
Mas não foi para ficar.
A pobre e tristonha flor,
Sem dono e sem pomar,
Só lhe restou a morte
E nem essa lhe veio buscar!
Carmen Macedo
Nenhum comentário:
Postar um comentário